Rubem Alves se foi. Mais um ou menos um?

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Parece que a bruxa está solta. Depois do imortal anticotista e escritor João Ubaldo Ribeiro, ontem foi a vez do escritor e educador Rubem Alves.

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Referência educacional no país, Rubem Alves, morre aos 80 anos deixando um imenso legado à educação no Brasil.

SQN para Rubem Alves.

Não consigo ficar consternada com a morte desse povo. Ele teve uma imensa contribuição para educação no Brasil. Teve, claro que sim. E isso eu não posso, nem devo negar. Ele contribuiu tanto, que não podia ter deixado sua passagem por esse plano em vão, e daí publicou isso aqui na Folha de São Paulo:

“RUBEM ALVES

“Crioulinha…” 02

As palavras são a carne do mundo; não podem ser substituídas por outras, ainda que mais verdadeiras

UMA DAS MEMÓRIAS felizes que tenho de minha infância me leva de volta à escola. Eu estava no terceiro ano primário. Era a aula de leitura. Não, não era aula em que líamos para a professora ouvir e corrigir. Ao contrário, era a professora que lia para nos deliciar. Foi assim que aprendi a amar os livros. Não aprendi com a gramática.

Dizem que os jovens não gostam de ler. Mas como poderiam amar a leitura se não houvesse alguém que lesse para eles? Aprende-se o prazer da leitura da mesma forma como se aprende o prazer da música: ouvindo. A leitura da professora era música para nós.

A professora lia e nós nos sentíamos magicamente transportados para um mundo maravilhoso, cheio de entidades encantadas. O silêncio era total. E era uma tristeza quando a professora fechava o livro. “O Saci”, “Viagem ao Céu”, “Caçadas de Pedrinho”, “Reinações de Narizinho”. Esses eram os nomes de algumas das músicas que ela interpretava. E o nome do compositor era Monteiro Lobato.

Mas agora as autoridades especializadas em descobrir as ideologias escondidas no vão das palavras descobriram que, por detrás das palavras inocentes, havia palavras que não podiam ser ditas. Monteiro Lobato ensina racismo. E apresentam como prova as coisas que ele dizia da negra Tia Anastácia…

A descoberta exigia providências. Era preciso proibir as palavras racistas. Monteiro Lobato não mais pode frequentar as escolas…

Assustei-me. Senti-me ameaçado. Fiquei com medo de que me descobrissem racista também. Tantas palavras proibidas eu já disse.

É preciso explicar. Naqueles tempos, tempos ainda com cheiro da escravidão, havia um costume… As famílias negras pobres com muitos filhos, sem recursos para sustentá-los, ofereciam às famílias abastadas, brancas, para serem criados e para trabalhar. Assim era a vida. Foi assim na minha casa. Veio morar conosco uma meninota de uns dez anos, a Astolfina, apelidada de Tofa. Escrevi sobre ela no meu livro de memórias “O Velho que Acordou Menino”. Cuidou de mim, dos meus irmãos, e morou conosco até se casar. Acontece que, ao contar sobre ela, eu usei uma palavra que fazia parte daquele mundo: “crioulinha”. Era assim que se falava porque essa era a palavra que fazia parte daquele mundo. Imaginem que, obediente à “linguagem politicamente correta”, eu, hoje, tivesse escrito no meu livro “uma jovem de ascendência afro”… Não. Esse não era o mundo em que a Astolfina viveu.

As palavras são a carne do mundo. Não podem ser substituídas por outras, ainda que mais verdadeiras, ainda que sinônimas. É preciso dizê-las como foram ditas para que o mundo que foi fique vivo novamente. A história se faz com palavras que faziam parte da vida. Aí, então, se pode explicar, como nota de rodapé: “Era assim. Não é mais…”.

Estou com medo de que as ditas autoridades descubram que usei a palavra racista “crioulinha” para me referir àquilo que, hoje, seria “uma jovem de ascendência afro”.

Estou, assim, tomando minhas providências. Para que não coloquem meu livro no “Índex” vou apagar a palavra “crioulinha” do texto e, sempre que precisar me referir à Tofa, direi que ela era uma governanta suíça e ruiva, uniformizada de branco e touca, para evitar que fios de cabelo caíssem na comida… Assim, meu livro purificado do racismo poderá frequentar as escolas…” 03

 

(Clique aqui para ler o texto original)

Não comemoro a morte “dozoto” como dizem por aí. Até porque uma pessoa quando morre, ao contrário do que muito se especula, não está pagando seus débitos com o mundo pelas mazelas que cometeu. E segundo minha crença, quando alguém morre, o ser passa desse plano para outro para dar seguimento à sua vida, só que noutro plano.

No candomblé, apesar de não ser adepta da religião, diz que quando uma pessoa morre ela vai do Orum para o Aiê, que equivale à terra e céu, no cristianismo.

Rubem Alves foi um grande pensador contemporâneo que contribuiu no campo educacional de modo significativo. Sim, isso é fato. Mas apesar de tamanha colaboração, ele também execrou “minorias” frente a políticas sociais que prezam por restituições históricas.

Saliento que ele não foi o único, pois João Ubaldo Ribeiro, Monteiro Lobato, Ziraldo, Isaías Alves e Rubem Alves, cada um no seu tempo, inferiram e propagaram ideias que não se coadunavam aos propósitos de luta das políticas sociais que vem a muito custo ganhando espaço no cenário nacional, e que é fruto da atuação da militância negra no país. Tão logo, a morte dele só pediu passagem para mais um que se opunha às políticas de ações afirmativas, e menos um que vai fazer falta, a não ser para quem o aprecia e pelo legado que deixou na educação no Brasil.

Enfim, é isso.

 

 

Uma resposta »

  1. Que insenssível não é deve forma que vc demonstrará seu lado humano, se é que possui. Qualquer um deles é um pai,avô e ser humano morto agora e é por isso que vc ataca.

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      • e vem ca minha branca!quantos séculos os negros foram resumidos e reduzidos,a categoria de “animais”.quantos de vcs gozaram(e gozam)ao ver homens negros sendo mortos pela policia?quantos de vcs,minha branca,não proferem a falaciosa frase”bandido bom,é bandido morto”,sabendo que esse bandido em questão,não é o branco do colarinho branco,ou aquele sacana do playboy que faz trafico,no bairro da Barra,Graça,Jardins,Leblon,e entre outros bairros nobres.Minha branca,pega esse discurso fudido,e mete no….

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      • Por favor, Raphael, mais respeito. Eu não sou “tua” nada, nem de ninguém! Eu sou MINHA e só minha. Branca, negra, amarela, seja o que for. Nem meu companheiro me chama assim por “minha” qualquer coisa, não vai ser você que o fará. Em segundo lugar, não sabes nada sobre minha pessoa para dizer essas coisas. Sou advogada penalista, justamente o tipo de advogado que é acusado de “defender bandido”, logo, em hipótese alguma eu acho que “bandido bom é bandido morto”, nem sou a favor da redução da idade penal e menos ainda acharia bonito e riria de um negro sendo morto pela polícia. Pelo contrário, eu sou quem defende estas vítimas, assim como todo meu círculo de amigos, então não generalize e não tire conclusões sobre mim. E por último, o cu é meu e eu enfio nele o que quiser e não aceito sugestões de vossa pessoa sobre o que enfiar nele ;*

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  2. E, mais uma vez, se vê a baixeza de se celebrar a morte de um ser humano. João Ubaldo até vá, nunca fui com a cara dele mesmo, apesar de jamais celebrar sua morte, porque isto não é algo que se celebre, agora, Rubem Alves? Eu adoraria adotá-lo! Um senhor querido, que me passava a imagem de um vovô e, como todo vovô, um ser amável e dócil. Era um ser humano e escritor incrível! Deixa um gigantesco legado. Sou fã de suas obras! Em nenhum momento ele foi racista. Que culpa ele tem em ter nascido na época que nasceu e ter vivido sobre estas regras?! É evidente que ele tinha muito carinho pela pessoa que cita, que se tratava de uma mulher negra. Ele ainda fez o texto querendo se explicar e dizer que não quis ser preconceituoso ou racista, que para ele, para aquele contexto, se tratava de uma palavra de carinho. Feio demais falar isso! Feio demais fazer xacota sobre a partida de um ser humano, pai, avô, marido, amigo. Nenhuma vida vale mais ou menos que outra! Assim como lamento a morte dele, lamento à de todos “anônimos” que morrem diariamente por preconceito ou racismo, não celebro a partida de nenhum porque toda partida é triste e só quem a sente de perto, ou seja, os familiares de quem se foi, sabem disso e são justamente as pessoas que ficam que merecem respeito.

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  3. Ruben Alves deixou muito claro, no texto transposto, o que quis dizer sobre termos deslocados historicamente. Em nada isto tem haver com a perpetuação do racismo, minha nobre. Se assim o for, a minha expressão “minha nobre” que utilizo com todos ao meu redor, é uma perpetuação da monarquia. Estaria eu querendo voltar ao período feudal? Falta bom senso, ou talvez falte mesmo apenas ler as obras do autor.

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